Quando foi a última vez que você sentiu prazer como gostaria, sem culpa, sem pressa e sem medo de se perder?

Vivemos em uma era de excesso de estímulos, mas de escassez de sensações verdadeiramente integradas. O prazer, ao invés de ser um estado de presença e inteireza, tem se tornado performance, recompensa rápida ou anestesia momentânea. Perguntar-se “quando foi a última vez que senti prazer como gostaria” exige coragem. Porque implica encarar o abismo entre o que se deseja e o que se é capaz de sustentar.

Na psicologia analítica de Jung, o prazer está profundamente conectado ao processo de individuação, que é o caminho de integração das diversas partes do ser. Para Jung, quando vivemos apenas a partir do ego, nosso eu social e adaptado, o prazer pode ser fragmentado, superficial ou até destrutivo. Já quando o prazer emerge da integração com o Self, o centro regulador da psique, ele se transforma em expressão legítima do ser.

Neurocientificamente, o prazer verdadeiro ativa circuitos diferentes daqueles do prazer compulsivo. Segundo estudos da Harvard Medical School, o prazer consciente e prolongado envolve o córtex pré-frontal ventromedial, responsável por decisões alinhadas com valores e propósito. Já o prazer automático e repetitivo, ligado ao vício e à fuga, aciona majoritariamente o sistema dopaminérgico em padrões curtos, ativando a busca, mas não a satisfação real.

Esses circuitos cerebrais, quando mal regulados, alimentam o que a neurociência chama de loop de dopamina: um ciclo viciante de busca por recompensa sem real integração emocional. É por isso que muitas pessoas sentem prazer momentâneo, mas logo após, caem em culpa, vergonha ou tédio. Há uma desconexão entre corpo, emoção e sentido.

A pergunta “quando foi a última vez que você sentiu prazer sem culpa?” remete a um dado alarmante: estudos da American Psychological Association mostram que mais de 60% das pessoas sentem algum grau de culpa após experiências de prazer íntimo. Isso se intensifica em culturas com forte repressão religiosa ou moral, onde o corpo é visto como sede do pecado, e não como veículo da presença.

Jung também apontava para a importância da reintegração do corpo ao espírito, afirmando que ignorar o corpo é trair a totalidade do ser. No processo de individuação, o corpo é símbolo da realidade concreta onde o Self se manifesta. Por isso, sentir prazer é também permitir viver em autenticidade. Quando reprimimos o prazer, estamos frequentemente projetando uma sombra, aquilo que ainda não acolhemos sobre o que poderia ser fonte de vida.

Essa repressão cria sintomas. No consultório, é comum encontrar homens que vivem distúrbios de ansiedade, insônia, compulsões ou disfunções sexuais — não por falhas físicas, mas por bloqueios inconscientes ligados à culpa, ao medo e à pressa. Sentir prazer se torna um desafio porque exige presença, e a presença exige coragem para olhar o que está por trás do desejo.

A pressa, por sua vez, sabota a possibilidade do prazer profundo. Vivemos em um ritmo beta — acelerado, mental, desconectado da respiração e da escuta do corpo. A neurociência mostra que para acessar estados de prazer integrativo, é preciso ativar frequências cerebrais mais lentas, como o alfa ou teta, que promovem relaxamento, criatividade e conexão emocional.

É nesse estado de frequência mais baixa que o sistema parassimpático entra em ação, permitindo digestão, acolhimento, ereção, excitação sustentada e orgasmo. Quando vivemos sob estresse crônico, o sistema simpático se sobrepõe, bloqueando inclusive o fluxo de prazer físico e emocional. O corpo pode até tentar sentir — mas a mente está em modo de defesa.

Jung diria que, nesse momento, o prazer foi sequestrado pela persona — a máscara que usamos para sermos aceitos. E quando o prazer se submete à persona, ele deixa de ser prazer e vira personagem. Vira obrigação, conquista ou validação. A alma, nesse ponto, fica à margem.

A ausência de prazer real também afeta diretamente o senso de propósito. Segundo a Universidade Stanford, indivíduos que experienciam prazer com presença têm maior engajamento, criatividade e conexão interpessoal. Isso indica que o prazer não é supérfluo — ele é essencial à saúde emocional, relacional e até produtiva.

Prazer com presença é uma tecnologia da alma. Não se trata de técnica sexual ou de quantidade de estímulos, mas da capacidade de estar inteiro na experiência. Quando não há medo de se perder, o ser se entrega. E é justamente aí que se encontra.

A integração entre corpo, mente, emoção e espírito é o que diferencia o prazer verdadeiro do prazer vazio. Jung chamava isso de processo alquímico: transformar chumbo (automatismo, repressão, repetição) em ouro (consciência, prazer com alma, liberdade interior). Esse ouro não se mede em intensidade, mas em verdade.

Por isso, essa pergunta ecoa tanto: “Quando foi a última vez que você sentiu prazer como gostaria, sem culpa, sem pressa e sem medo de se perder?” Não é só sobre sexo, toque ou desejo. É sobre você estar inteiro no que sente. Estar vivo no que vive. E escolher, com consciência, não mais repetir o velho ciclo entre repressão e excesso — mas criar, dentro de si, um espaço onde o prazer seja bem-vindo e digno.

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