Você já sentiu vontade de experimentar algo diferente na cama, mesmo sem entender de onde veio esse desejo? Algo que parece estranho, mas ao mesmo tempo muito excitante? Isso pode ser um fetiche — e está tudo bem. Ter um fetiche não é vergonha, não é doença, nem é algo raro. É apenas uma forma única que o seu corpo e a sua mente encontraram de sentir prazer.
Para entender melhor isso, é importante saber que o nosso cérebro tem três partes principais: o cérebro reptiliano, o sistema límbico e o neocórtex. O reptiliano é a parte mais antiga e instintiva — ele cuida das nossas necessidades básicas, como comer, fugir do perigo, dormir e fazer sexo. Por exemplo, quando sentimos um desejo súbito, um impulso forte, é ele quem está no comando. O sistema límbico é onde moram nossas emoções — amor, raiva, ciúme, alegria — e é onde criamos vínculos afetivos. Já o neocórtex é a parte racional do cérebro, responsável por pensar, planejar, analisar e tomar decisões. Quando vivemos um fetiche, quem está no controle geralmente é o reptiliano, que não julga e só quer sentir prazer.
É por isso que, durante uma experiência de fetiche, não entra o julgamento. A mente racional, que normalmente pensa no que é certo ou errado, dá lugar ao instinto. E ali não importa seu gênero, sua orientação sexual ou o que os outros pensam. É só o corpo vivendo o prazer como ele é. Mas é importante lembrar que o fetiche só é saudável quando há consentimento — ou seja, quando todas as pessoas envolvidas estão de acordo com o que vai acontecer.
Isso é o que diferencia um fetiche saudável de uma parafilia. O fetiche envolve desejo, curiosidade e entrega entre adultos conscientes. Já a parafilia acontece quando o prazer depende de algo sem o consentimento do outro — como em casos de pedofilia ou voyerismo forçado. Aí estamos falando de algo que machuca e precisa ser tratado com seriedade.
Um exemplo que costuma gerar muitas dúvidas é o fetiche Cuckold — quando um homem sente prazer ao ver a parceira com outro. Pode parecer estranho para quem vê de fora, mas esse desejo pode estar ligado à vontade de abrir mão do controle, se sentir vulnerável ou explorar novas partes da sua psique. Psique é tudo o que está dentro da gente: pensamentos, emoções, desejos, memórias, traumas e tudo o que nos faz ser quem somos. Explorar um fetiche pode ser uma forma poderosa de autoconhecimento.
A ciência mostra que isso é mais comum do que imaginamos. Um estudo da Universidade de Montreal, feito em 2014, revelou que 47% das pessoas já fantasiaram com práticas consideradas fetichistas. E uma pesquisa da Durex, feita em 2021, mostrou que 36% dos brasileiros têm ou já tiveram vontade de experimentar algum tipo de fetiche. Ou seja, se você tem ou já teve um, você não está sozinho.
Carl Jung, um dos maiores psicólogos da história, dizia que só nos tornamos inteiros quando aceitamos todas as partes de nós — até aquelas que escondemos por medo, vergonha ou culpa. Quando a gente se permite viver um fetiche de forma consciente, respeitosa e segura, damos espaço para curar feridas emocionais e liberar o prazer de forma mais leve.
Viver um fetiche pode ser também uma forma de autoregulação emocional. Por exemplo, uma pessoa que vive sob muita pressão e controle no trabalho pode se beneficiar de um fetiche onde ela entrega o controle, como no BDSM leve. Outra pessoa que tem vergonha do corpo pode experimentar um fetiche de exibição com o parceiro, e ao ser vista com aceitação e desejo, começa a curar essa insegurança. Fetiches podem liberar hormônios como dopamina e ocitocina, que geram sensação de recompensa e conexão — ajudando a aliviar ansiedade, tensão acumulada e até quadros leves de tristeza.
Mas para viver isso de forma saudável, é fundamental saber se comunicar com o parceiro ou parceira. Uma boa dica é usar a base da Comunicação Não Violenta (CNV), que foca na escuta e no respeito. Em vez de dizer “você nunca quer fazer algo diferente”, você pode dizer: “Eu percebi que tenho sentido vontade de experimentar algo novo que tem a ver comigo. Não é sobre você, nem porque falta algo entre a gente. É uma curiosidade minha, e eu me sentiria muito acolhido se pudesse compartilhar isso com você.” Isso abre espaço para diálogo, sem culpa nem cobrança.
Viver um fetiche também pode ajudar no equilíbrio emocional. Muitas pessoas relatam que depois dessas experiências se sentem mais leves, confiantes, e até com menos ansiedade. Mas para isso acontecer, é essencial conversar com o parceiro ou parceira com sinceridade, explicando seus desejos e ouvindo o outro com atenção. Não é sobre convencer, mas sobre entender o que o outro sente e criar um espaço seguro para ambos.
No fim das contas, fetiche é só uma forma diferente de viver o prazer. Ele não define quem você é, mas pode te mostrar partes suas que estavam escondidas. Quando vivemos isso com respeito, clareza e presença, o fetiche deixa de ser tabu e se transforma em liberdade. E isso, sim, é viver o prazer com verdade.