Dizem que, num reino distante, havia um homem conhecido por seu poder, sua voz firme e sua presença imponente. onde ele chegava, as pessoas o respeitavam. onde ele falava, as palavras se calavam. diziam que ele sabia comandar, conquistar e vencer. mas o que ninguém sabia, é que todas as noites, quando ficava sozinho, ele tirava sua armadura em silêncio e guardava no fundo da gaveta um pequeno frasco de essência.
Não era um perfume comum. Era forte. quase insuportável. Tinha cheiro de ferro, de selva, de um passado que ele tentava esquecer.
Na infância, disseram que aquele cheiro era demais. Que afastava as pessoas. Que não era adequado para os salões de poder.
Então ele aprendeu a esconder.
Começou a usar fragrâncias suaves. palavras neutras. silêncios bem colocados. Aprendeu a mascarar o instinto, a moldar o corpo, a calar a emoção. E com o tempo, o mundo o aplaudiu.
Mas, certa noite, já mais velho, esse homem foi visitar o velho alquimista do reino, um ancião que não frequentava palácios nem banquetes, mas que sabia ouvir o que os outros não ousavam dizer.
“tenho tudo o que um homem pode conquistar. mas há noites em que acordo sem ar. como se algo em mim estivesse sufocado.” O velho apenas olhou em silêncio e disse: “então pare de esconder o frasco.”
O homem congelou. Ninguém sabia do frasco. Ninguém jamais o tinha visto abertamente.
“Você sabe do que estou falando?”, ele perguntou, entre o medo e o espanto. “Sei.”, respondeu o velho. “e não sou o único.”
“Mas por que ninguém diz nada?”
O alquimista sorriu com leveza: “Porque o mundo se acostumou com o seu perfume. mas seu corpo… sente falta do seu cheiro real.”
O homem se calou.
Naquela noite, ao voltar para casa, ele não colocou o perfume de sempre. Abriu o frasco antigo. Passou um pouco nos pulsos. depois no peito. depois atrás das orelhas. E então respirou.
Pela primeira vez em décadas, ele chorou sem saber o motivo.
Não era tristeza. Era reencontro.
Nos dias que seguiram, ele começou a falar menos, mas sentir mais. Deixou de responder tudo com rapidez. parou de correr sem direção. E algo curioso aconteceu: algumas pessoas se afastaram. Mas outras, as que também carregavam frascos antigos esquecidos, se aproximaram.
E ali, sem máscaras, sem disfarces, sem medo do cheiro, nasceu o tipo de intimidade que ele nunca tinha vivido.
Moral simbólica: Há homens que aprendem a se perfumar para caber no mundo. Mas só os que se permitem exalar sua essência verdadeira descobrem o que é viver de verdade.