O homem, a terra e a flecha: quando o instinto pede passagem

Ele sonhou que estava comprando uma terra. Mas não era uma terra qualquer.

Havia algo nela que o chamava de volta.

Como se já tivesse sido dele em algum tempo esquecido.

Era viva. Cheia de vegetação. E uma corredeira atravessava o terreno, como se o próprio corpo daquela terra respirasse em fluxo contínuo.

Mas havia um problema.

Essa corredeira, em época de chuva, transbordava.

Inundava tudo.

E ele sabia disso.

Sabia do risco.

Sabia que aquela terra, por mais bela que fosse, não era totalmente segura.

Mesmo assim, ele queria ficar.

Era como se algo dentro dele dissesse: “É aqui que sua alma começa a voltar pra casa.”

Ele olhava para o rio com atenção.

O som da água batendo nas pedras era ao mesmo tempo tranquilizador e ameaçador.

E foi então que algo inesperado aconteceu.

Uma pedra enorme, antiga, imensa, pesada, se desprendeu da margem.

Ele viu claramente quando ela quebrou parte da estrutura onde estava apoiada e, em vez de rolar desordenadamente, ela se encaixou debaixo de outra pedra.

A cena pareceu pequena… mas reverberou como um terremoto dentro dele.

Sentiu o corpo reagir.

Como se aquele movimento, aparentemente simples, tivesse quebrado alguma coisa também dentro dele.

Uma parte antiga. Um alicerce invisível. Uma defesa que por muito tempo havia sustentado sua identidade.

Na mesma medida em que algo se quebrou, algo também se reorganizou.

E isso, ele sentiu.

Sentiu como um medo ancestral.

Não o medo do perigo físico.

Mas o medo de mudar internamente de forma irreversível.

O sonho seguia.

E então ela apareceu.

Uma mulher.

Arqueira.

Forte, segura, com um olhar firme que não pedia licença.

Tinha um arco nas mãos e flechas nas costas.

Eles começaram uma espécie de jogo: tiro ao alvo.

Mas ela era quem atirava.

E ele… se protegia.

Se posicionou atrás de uma árvore enorme, de tronco grosso, raízes profundas.

Sabia que aquela árvore o esconderia.

Ela o protegia.

Mas, ao mesmo tempo… o isolava.

As flechas vinham.

Precisavam.

Mas nenhuma o atingia.

E ainda assim, o medo estava lá.

Não das flechas em si.

Mas do que elas representavam.

Daquilo que poderia atravessar sua couraça.

Da entrega que ele não estava pronto para permitir.

Ele observava aquela mulher como quem vê um espelho perigoso.

Porque sabia: ela não queria matá-lo.

Ela queria acordá-lo.

Pouco depois, ele voltou a olhar para a água.

Dessa vez, com mais calma.

E notou uma parte do rio que era diferente.

Era escondida. Protegida pelas folhas das árvores.

As águas ali pareciam mais calmas, mesmo depois da inundação.

Ali, ele sabia: poderia nadar.

Não era um lugar óbvio.

Era uma clareira oculta, um santuário secreto.

Havia beleza. Havia paz.

E havia vida.

Ele se deu conta de que o rio não era perigoso por inteiro.

Havia trechos que transbordavam, sim.

Mas também havia espaços profundos, seguros, onde se podia mergulhar sem ser levado.

E aquilo, naquele instante, não parecia mais um sonho.

Parecia um chamado.

Ele acordou em silêncio.

Mas por dentro, tudo estava se movendo.

A pedra já havia mudado de lugar.

A árvore já não oferecia tanto abrigo.

E a flecha, mesmo não o tendo atingido, já havia perfurado algo em sua alma.

Porque todo homem, mais cedo ou mais tarde, vai sonhar com uma terra que inunda.

Com uma mulher que mira.

Com uma pedra que se move.

Com um rio que revela onde é seguro sentir.

E se ele tiver coragem de escutar…

Vai entender que o verdadeiro risco não está na dor.

Está na fuga daquilo que poderia libertá-lo.

Então, se você é esse homem, a pergunta que fica é:

O que dentro de mim precisa se mover, mesmo que me cause medo, para que eu possa finalmente mergulhar na parte mais bonita da minha própria vida?


				

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