A parábola do homem que atravessou o mar com os filhos dormindo

Dizem que em uma vila antiga, cercada por colinas e silêncios, vivia um homem que carregava um peso que não sabia nomear.

Ele era bom.

Fazia o que mandavam.

Não respondia.

Trabalhava mais do que precisava.

Tinha a cabeça baixa e o peito apertado.

Por fora, ele era o filho exemplar. Por dentro, era um homem calado, esperando permissão para ser.

A mãe dele era dura. Forte como rocha. Fria como inverno longo.

Criou os filhos como quem prepara soldados.

Amava à sua maneira — com comida no prato e olhos atentos. Mas nunca disse “eu vejo você”.

E isso foi doendo. Em silêncio. Como uma rachadura que só cresce por dentro.

Com o tempo, ele virou pai. E repetiu o que recebeu.

Dava o que tinha. Dava o que achava que era certo.

Mas à noite…

À noite, vinha o vazio.

Até que um dia, ele sonhou.

Um mar.

Um barco.

E um medo.

Acordou ofegante, suando, com os filhos dormindo ao lado.

Olhou para eles e sentiu um nó na garganta.

Não sabia se era amor ou culpa.

Só sabia que alguma coisa dentro dele gritava: “vai.”

Naquela mesma noite, ainda dentro do sonho, ele colocou os filhos num barco.

Cobriu-os com mantas e os deitou com cuidado.

Eles dormiam profundamente como se confiassem que seriam levados a um lugar melhor.

Ele segurou o remo.

À frente, o mar: escuro, agitado, cheio de vozes.

Atrás, na praia, a mãe.

Mas não era ela em carne. Era a voz dela dentro dele.

Aquela que dizia que homem não chora. Que filho deve agradecer. Que partir é traição.

Aquela voz que ele carregava desde menino, como se fosse a sua própria.

Ele olhou para ela uma última vez.

E pensou com uma dor que ardeu como fogo:

“Eu te amo… mas eu não posso mais viver como quem te deve a vida.”

E então, remou.

As ondas vinham altas.

O mar gritava.

Ele tremia.

Por dentro, era como se estivesse morrendo de verdade.

Em um momento, perdeu o controle.

O barco virou.

Mas os filhos não acordaram.

Porque aquilo tudo era só dentro dele.

Era ele quem estava se desfazendo.

Não eles.

Ele nadou.

Gritou.

Chorou como nunca havia se permitido.

Sentiu culpa por desejar, ainda que por um segundo, que aquela mãe interna parasse de existir.

Sentiu medo de ser um homem sem raízes.

Sentiu vergonha por querer liberdade.

Mas seguiu.

No meio da travessia, uma pausa.

O mar se acalmou.

E ele, exausto, levando seus filhos nos braços, olhou para os filhos adormecidos.

Fez um pedido, com a alma em pedaços:

“Que eles nunca precisem fugir para serem livres. Que nunca amem com medo. Que nunca carreguem o que eu carreguei.”

Quando amanheceu, ele chegou à outra margem.

Não havia ninguém esperando.

Não havia salva de palmas.

Apenas terra firme.

E silêncio.

Mas, pela primeira vez, um silêncio que não doía.

Era como se o tempo tivesse parado.

E tudo estivesse em paz.

Ele pegou os filhos nos braços.

Eles ainda dormiam.

Mas ele, não.

Estava desperto.

E ali, com os pés descalços na areia, percebeu:

ele não tinha matado a mãe.

Tinha apenas libertado o homem.

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