Quando falamos de ansiedade, estamos nos referindo àquela sensação de apreensão, inquietude ou medo que persiste mesmo na ausência de um perigo imediato. A ansiedade pode tornar-se patológica quando interfere no dia a dia, no trabalho, nas relações e no bem-estar emocional. Nesse contexto, muitos procuram terapias tradicionais, como medicamentos ansiolíticos industrializados, mas também se interessam por alternativas com menor impacto farmacológico. Uma dessas alternativas que vem ganhando atenção científica é o uso do canabidiol (CBD) — que é uma molécula ativa extraída da planta Cannabis sativa. O CBD não apresenta os efeitos psicoativos associados ao outro principal canabinoide da planta, o tetrahidrocanabinol (THC) — ou seja, não gera o “alto” ou intoxicação típica da maconha.
Um dos pontos centrais para entender por que o CBD está em foco é a sua atividade neurobiológica — ou seja, a maneira como ele interage com o sistema nervoso e afeta regiões do cérebro que regulam a ansiedade. Estudos pré-clínicos (em animais ou em laboratório) e estudos iniciais em humanos sugerem que o CBD pode reduzir a ativação da amígdala (uma região cerebral envolvida no processamento do medo) e modular o receptor 5-HT1A (ou seja, o receptor de serotonina tipo 1A), que está intimamente ligado à regulação do humor e da ansiedade. Por exemplo, a revisão “Cannabidiol as a Potential Treatment for Anxiety Disorders” publicada na revista Neurotherapeutics avaliou evidências pré-clínicas, humanas experimentais, clínicas e epidemiológicas e concluiu que “a evidência existente apoia fortemente o CBD como tratamento para transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico, transtorno de ansiedade social, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático quando administrado acutamente”. (Blessing E M, Steenkamp M M, Manzanares J, Marmar C R. Neurotherapeutics. 2015;12(4):825-836. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4604171/)
Esse tipo de evidência proporciona uma base para que profissionais que atuam em clínica integrativa ou ambiente terapêutico considerem o CBD como opção para pessoas que não desejam ou não toleram bem os medicamentos ansiolíticos convencionais. Medicamentos como benzodiazepinas, por exemplo, podem provocar dependência ou sedação intensa; já o CBD, conforme diversas análises, apresenta perfil de tolerabilidade relativamente bom. Um artigo publicado pelo Harvard Health Blog da Universidade de Harvard afirmou que “os estudos e ensaios clínicos estão explorando o relatório comum de que o CBD pode reduzir a ansiedade”. (Harvard Health Publishing, Cannabidiol (CBD): What we know and what we don’t, 24 de agosto de 2018. Disponível em https://www.health.harvard.edu/blog/cannabidiol-cbd-what-we-know-and-what-we-dont-201808242496)
Para quem busca uma alternativa aos remédios “químicos industrializados”, o CBD aparece como um recurso que pode ser integrado com outras abordagens, como psicoterapia, técnicas de relaxamento, mudanças no estilo de vida e ajustes de sono/higiene mental — e não necessariamente como substituto direto de tratamento convencional. É importante frisar que ainda há lacunas na evidência clínica: muitos estudos são de curta duração, de pequeno porte, ou testando doses específicas em situações controladas, o que significa que não se pode afirmar com certeza universal que o CBD “funciona para toda a ansiedade”.
Do ponto de vista neuroquímico, o CBD influencia múltiplos alvos. Ele pode ativar o receptor 5-HT1A (receptor de serotonina tipo 1A), que favorece efeitos ansiolíticos. Ele também pode agir indiretamente no sistema endocanabinoide — sistema que regula reações ao estresse, emoção e equilíbrio neural — através da elevação da anandamida (um neurocanabinoide endógeno) ao inibir a enzima FAAH (hidrolase de amida de ácido graxo). Essa elevação pode reforçar o freio natural do sistema sobre a hiperatividade da amígdala. Um estudo resumido no artigo “Use of Cannabidiol for the Treatment of Anxiety: A Short Synthesis of available Evidence” detalha esses mecanismos. (Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7480724/)
No que diz respeito aos indicadores clínicos, embora ainda não haja uma dose padrão universal aceita para ansiedade, algumas evidências apontam para valores de 300 a 600 mg/dia como faixa em que se observaram efeitos de redução de ansiedade em humanos em testes de fala pública ou situações de estresse experimental. Por exemplo, em “Cannabidiol in Anxiety and Sleep: A Large Case Series” foi relatado que doses orais nessa faixa reduziram a ansiedade em teste de fala pública. (Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC6326553/) Também um estudo publicado no JAMA Network Open avaliou 50 mulheres com câncer avançado e ansiedade clínica: um único dose de 400 mg de CBD oral apresentou uma redução significativa dos níveis de ansiedade medidos após 2 a 4 horas da ingestão. (Nayak M M et al., JAMA Network Open, 16 de dezembro de 2024. Disponível em https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2828077)
Para o terapeuta ou profissional que trabalha com líderes ou empresários que passam por grandes situações de estresse diário e que muitas vezes evitam medicamentos convencionais por receio de efeitos colaterais ou sedação, o CBD pode oferecer uma alternativa que permite manter presença, clareza mental e função cognitiva, desde que utilizado com critério, dose adequada e acompanhamento. Um estudo da Universidade do Colorado (CU Boulder) apontou que usuários de produto com predominância de CBD relataram maior alívio de tensão e ansiedade e menos paranoia em comparação com produtos com THC dominante. (CU Boulder, CBD shown to ease anxiety without the risks that can come with THC, 27 de fevereiro de 2024. Disponível em https://www.colorado.edu/today/2024/02/27/cbd-shown-ease-anxiety-without-risks-can-come-thc)
É fundamental que o profissional esclareça ao cliente que “alternativa” não significa “isento de riscos” ou “garantia de cura”. Mesmo com perfil de segurança bom, o CBD pode interagir com outros medicamentos — por exemplo, ao inibir enzimas hepáticas do tipo CYP450, ele pode elevar níveis de anticoagulantes, antiepilépticos ou imunossupressores. O Harvard Health Blog alerta: “Você deve informar seu médico se está usando CBD para que ele possa monitorar suas enzimas hepáticas”. (Harvard Health Publishing, 24 de agosto de 2018. Disponível em https://www.health.harvard.edu/blog/cannabidiol-cbd-what-we-know-and-what-we-dont-201808242496)
Quando o canabidiol (CBD) é usado junto com alguns medicamentos controlados, ele pode alterar a forma como o organismo metaboliza essas substâncias. Isso acontece porque o CBD interfere no funcionamento de um grupo de enzimas do fígado chamadas CYP450 (citocromo P450), que são responsáveis por “quebrar” grande parte dos remédios dentro do corpo. Quando essas enzimas ficam mais lentas por causa do CBD, o medicamento permanece ativo na corrente sanguínea por mais tempo e em maior quantidade do que o esperado. Isso significa que, mesmo tomando a dose correta do remédio, a pessoa pode ter um efeito mais forte do que o normal — e, em alguns casos, efeitos colaterais indesejados.
Os medicamentos que mais exigem cuidado nesse sentido são os anticoagulantes, usados para evitar tromboses e AVC; os antiepilépticos, usados no tratamento de convulsões; e os imunossupressores, usados por pessoas com doenças autoimunes ou que passaram por transplantes. Se o CBD aumenta o nível dos anticoagulantes, por exemplo, a pessoa pode ter sangramentos inesperados ou hematomas. Se ele aumenta o efeito de antiepilépticos, pode ocorrer sedação excessiva, tontura ou intoxicação. E quando interfere em imunossupressores, o paciente pode ficar vulnerável a infecções ou sobrecarga do fígado e dos rins. Ou seja: o risco não está no CBD isoladamente, mas na interação medicamentosa.
Por esse motivo, o uso de CBD deve ser acompanhado com atenção em pessoas que já fazem tratamento com medicamentos contínuos. Isso não significa que o CBD seja proibido ou perigoso, mas sim que ele precisa ser utilizado com avaliação profissional, especialmente quando existe outra medicação em uso. Na prática clínica, o ideal é que o médico ou terapeuta responsável monitore sintomas, possíveis efeitos colaterais e, quando necessário, solicite exames de sangue para avaliar níveis dos remédios. Essa orientação é fundamental para garantir que o CBD seja usado com segurança e não provoque efeitos inesperados devido à interação com outros fármacos.
No cenário regulatório brasileiro, cabe lembrar que o uso medicinal de produtos à base de Cannabis segue a norma da RDC 327/2019 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — norma que estabelece fabricação, importação, comercialização, prescrição e dispensação de produtos industrializados contendo derivados ou extratos vegetais da Cannabis sativa. Portanto, ainda que o CBD seja uma alternativa estudada, o profissional deve atuar dentro da legalidade, com produto autorizado e prescrição médica quando exigido. Já a norma da RDC 26/2014 — que regula medicamentos fitoterápicos — define que “não se considera medicamento fitoterápico ou produto tradicional fitoterápico aquele que inclua na sua composição substâncias ativas isoladas ou altamente purificadas”. Isso é importante porque o CBD isolado, em forma purificada (ex.: 99% CBD cristalino), não se enquadra como fitoterápico sob esse regulamento, pois não é considerado uma “matéria-prima vegetal”, mas sim uma molécula isolada obtida da planta. (Anvisa, RDC 26/2014, Artigo 2º, §4º. Disponível em https://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2014/rdc0026_13_05_2014.pdf)
Para que um produto à base de Cannabis seja classificado como fitoterápico — e, portanto, possa ser indicado por terapeutas sem exigência de prescrição médica — ele precisa ser composto exclusivamente por extrato vegetal integral ou padronizado, e não por uma molécula isolada como o CBD puro. Isso significa que o produto deve manter a complexidade natural da planta, incluindo sua matriz de compostos vegetais (canabinoides, terpenos, flavonoides etc.), sem passar pelo processo de purificação farmacêutica que gera o “CBD isolado”. Na prática, o que caracteriza o fitoterápico é a presença do extrato vegetal total ou parcial, extraído da planta inteira ou de suas partes (folhas, flores, sementes), onde os compostos atuam de forma sinérgica — conceito conhecido como efeito entourage, que é a interação conjunta dos compostos da planta para potencializar efeitos terapêuticos.
Isso quer dizer que, para fins legais, um fitoterápico à base de Cannabis que possa ser indicado por terapeutas não pode ser um frasco de CBD purificado, mas sim um extrato vegetal full spectrum (espectro completo) ou broad spectrum (espectro amplo, com THC removido), desde que o produto esteja enquadrado como fitoterápico e não como medicamento controlado. Fitoterápicos são regulamentados como produtos à base de planta e não como substâncias isoladas — e isso permite que terapeutas que não são médicos possam indicar produtos dentro do escopo de sua atuação, desde que o produto seja devidamente registrado como fitoterápico ou como produto tradicional fitoterápico. Se o produto contém CBD isolado, mesmo com baixa dose, ele entra na categoria de medicamento derivado de Cannabis, e só pode ser prescrito por médico, conforme a RDC 327/2019.
Para estruturar o uso de CBD em contexto terapêutico de ansiedade, o profissional pode seguir estas diretrizes básicas: realizar avaliação inicial completa (histórico de ansiedade, uso de medicamentos, função hepática e renal, sono, estilo de vida); considerar os objetivos terapêuticos claros (por exemplo, reduzir sintomas de tensão, melhorar performance executiva, manter clareza mental); iniciar com dose conservadora e observar resposta — levando em conta que estudos já observaram efeitos a partir de 300 mg/dia, mas que cada pessoa pode responder de modo distinto; monitorar efeitos adversos e interações medicamentosas; e integrar o uso do CBD com estratégias complementares como psicoterapia, técnicas de respiração, meditação, atividade física e higiene do sono.
Em termos de neurociência e efeito prático, podemos imaginar o seguinte: a ansiedade elevada ativa circuitos cerebrais de ameaça — como a amígdala, que dispara informação de perigo, gerando cortisol elevado, tensão muscular e pensamento acelerado. O CBD parece reduzir o “volume” desse alarme interno, permitindo que o córtex pré-frontal (região da tomada de decisões) retome controle, que a respiração se acalme e que o indivíduo recupere presença e clareza. Assim, para profissionais que atendem pessoas ansiosas o CBD pode entrar como elemento de recuperação da presença emocional, sem o efeito sedativo excessivo dos ansiolíticos padrão.
No entanto, deve-se enfatizar que ainda é cedo para afirmar que o CBD substitui completamente os tratamentos convencionais — ele complementa. A evidência científica ainda exige estudos com maior número de participantes, de maior duração e com padronizações de dose, formulação e população. A revisão de 2024 apontou que muitos ensaios eram de pequenos centros, com doses variadas, e que ainda faltam RCTs (ensaio clínico randomizado, ou seja, estudo em que participantes recebem aleatoriamente o tratamento ou placebo) multicêntricos robustos para consolidar sua eficácia. (Disponível em https://jcisresearch.biomedcentral.com/articles/10.1186/s42238-024-00250-y)
Para concluir: se você, como terapeuta, conduz pessoas que buscam alternativas aos medicamentos convencionais, o CBD pode ser uma ferramenta válida — desde que você informe claramente os clientes, avalie o contexto individual, garanta produto de qualidade, integre ao plano terapêutico global e monitore os resultados. O uso do CBD pode ajudar a reduzir a tensão, melhorar a presença, favorecer a clareza mental e permitir que outras estratégias transformadoras (como o autoconhecimento, o foco no prazer, a presença no corpo) floresçam com mais tranquilidade. No entanto, sempre enfatize que não se trata de uma solução mágica, mas de um recurso que requer critério, acompanhamento e integração.








