Durante muito tempo, os homens foram ensinados que o prazer só era válido se seguisse um roteiro específico: penetração vaginal, posição dominante, sem espaço para dúvida ou entrega. Qualquer outra forma de prazer era considerada tabu. Se esse prazer viesse do toque de outro homem, fosse oral, anal ou sensorial, era automaticamente associado à homossexualidade. Mas será que é tão simples assim?
Homens heterossexuais que têm relações sexuais com outros homens — um fenômeno conhecido como H-MSM (Heterosexual Men Who Have Sex with Men) — são uma realidade documentada por estudos científicos, observada historicamente e cada vez mais debatida entre psicólogos, sexólogos e terapeutas. Eles sentem prazer com homens, mas continuam se identificando como heterossexuais. Isso desafia o modelo tradicional que confunde comportamento sexual com identidade afetiva.
De acordo com o National Survey of Family Growth (CDC/EUA), entre 6% e 10% dos homens que se declaram heterossexuais já tiveram experiências sexuais com outros homens. No entanto, poucos falam sobre isso abertamente — não por medo do prazer, mas do julgamento que esse prazer carrega. O corpo sabe o que gosta; quem não sabe lidar com isso é o ego condicionado.
A verdade é que o prazer anal no homem não tem orientação sexual, mas sim uma base neurofisiológica. A próstata, o nervo pudendo, a região perineal e a zona anal são altamente inervadas e potencialmente orgásticas. A resposta fisiológica a esses estímulos não diz nada sobre quem você ama, com quem você quer viver ou o que te move afetivamente. Diz apenas: existe prazer aqui.
É aqui que entra um dos ensinamentos sobre potência instintiva no Método ÉROS — uma abordagem que liberta o homem da performance automática e o convida a acessar suas cinco potências integradas:
- Física: permite a reconexão com o corpo real e suas sensações.
- Emocional: acolhe sentimentos sem culpa ou julgamento.
- Racional: organiza crenças e cria lógica com liberdade.
- Instintiva: desperta o prazer como guia da ação e da intuição.
- Espiritual: dá sentido à jornada de ser inteiro.
Quando um homem vive desconectado de si, qualquer prazer que escapa à norma o assusta, pois ameaça o ego que ele construiu para sobreviver. Mas quando ele ativa suas cinco potências, começa a viver o prazer como expressão de vida, não como ameaça de identidade.
Além disso, ao compreender os cinco tipos eróticos (Sexual, Sensorial, Energético, Kink e Metamorfo), ele passa a perceber que sua forma de sentir tesão não define sua orientação, mas revela suas zonas de excitação. Resumidamente:
- Sexual: foca no orgasmo genital.
- Sensorial: se excita com estímulo dos cinco sentidos.
- Energético: sente prazer por antecipação e conexão.
- Kink: explora tabus, papéis, dominação e limites.
- Metamorfo: transita entre todos e pode viver o prazer de formas que não cabem em nenhuma caixa.
Homens heterossexuais podem ter uma configuração Kink ou Metamorfa, o que os leva a sentir prazer em experiências não convencionais — inclusive com outros homens. Isso não os torna homossexuais, apenas revela que o corpo é mais sábio que a cultura que o reprimiu.
Historicamente, rituais de passagem de várias culturas envolviam contato íntimo entre homens, sem qualquer conotação de identidade. No Japão feudal, na Grécia clássica e em tradições indígenas, o toque entre homens era entendido como força, conexão e transmissão de sabedoria. Foi o colonialismo ocidental e a moral religiosa que transformaram isso em pecado e desvio.
Na psicanálise, Carl Jung já apontava que o ser humano carrega dentro de si opostos que precisam ser integrados. A sombra, o desejo, o feminino interno — tudo isso faz parte da jornada de individuação. Quando um homem reprime seu prazer por medo de não parecer “homem o suficiente”, ele se afasta de si. E o que nos separa de nossa verdade também nos separa de nossa potência.
Mas por que isso acontece? Porque o meio em que vivemos molda nossas crenças mais profundas — muitas vezes sem que percebamos. Como já dizia o filósofo francês Pierre Bourdieu, o “habitus” é a estrutura invisível que regula nossas percepções, ações e julgamentos. Desde cedo, recebemos uma espécie de lavagem cerebral cultural que impõe medo, vergonha e culpa para nos afastar daquilo que poderia nos libertar. Regras sociais rígidas suprimem o corpo e colonizam o desejo, até que o homem já não saiba mais se o que sente é dele ou do que esperam dele.
Essa desconexão não gera apenas repressão sexual. Gera um vazio. Um cansaço existencial que não se cura com remédio, performance ou mais conquistas. Porque não se trata de uma depressão do corpo — trata-se de uma depressão da alma. Quando um homem não se permite ser quem é, nem viver o que seu corpo clama, ele começa a existir no automático, perdendo a capacidade de se encantar com a própria vida. E essa insatisfação é tristeza profunda, não tem a ver com orientação sexual. Tem a ver com ausência de verdade para o que faz sentido de ser vivido.
É por isso que tantos homens bem-sucedidos, pais amorosos, profissionais brilhantes, carregam um silêncio profundo por dentro mesmo “tendo tudo”. Eles fizeram tudo certo, menos viver com prazer. Não o prazer condicionado, rápido, anestesiado, mas o prazer que vem com presença, entrega, coragem. O prazer que não precisa de justificativa — porque é verdadeiro.
É por isso que digo: um homem pode ser hétero e, ainda assim, viver experiências com outros homens — quando a experiência está a serviço do prazer. O que define sua orientação é com quem ele deseja construir intimidade afetiva, não quem tocou sua próstata em um momento de sexo e prazer do corpo.
O prazer é um território sagrado. E o homem que tem coragem de experimentá-lo sem culpa encontra uma versão de si mesmo muito mais verdadeira: presente, potente, inteira. O oposto disso é um homem dividido, reprimido, tentando provar virilidade enquanto vive com medo da própria sombra.
Se você é um homem que já se questionou sobre isso — ou uma mulher que vive com um homem assim — talvez esteja na hora de libertar o prazer do julgamento. Não se trata de “virar gay” ou “testar limites”. Trata-se de reconhecer que o prazer é seu direito de nascimento e está ligado à sua potência instintiva — aquela que não pede lógica, só verdade. E quanto mais liberdade você tiver para sentir, mais inteiro você será.
No fim das contas, a pergunta certa não é “se eu gosto disso, ainda sou hétero?”.
A pergunta é: “Se eu estou sentindo, por que continuo negando?”